Tuesday, September 13, 2005

Sonho

Ela dançava como se a sua vida dependesse disso.
Dançava para sobreviver, para se sentir viva.
Deixava-se enredar pelas notas que lhe subiam pelo corpo e acabavam por sair em movimentos elegantes e sensuais.
O par servia meramente para a fazer brilhar.
Não tinha rosto, nem corpo.
Apenas duas mãos que acompanhavam, com segurança, o seu revoltear provocador, os seus passos felinos, as suas paragens provocantes.
O público não lhe interessava. Não passsava de uma miríade de gente pequenina que não podia sequer começar a entender o que lhe ia na alma.
Interessava-lhe a energia da música, a vertigem do ritmo, o calor do suor que sentia escorrer num fio pequenino que lhe desenhava a linha das costas, levando consigo mágoas, problemas e pesares.
Presa nuns braços que não conhecia, era livre.
Com um frémito provocado pela violência da última nota, viu-se a dois palmos do chão, corpo em arco retesado, bonança após a tempestade.
Ofegante e surda aos aplausos ensurdecedores que enchiam a sala, sem voltar a olhar para o par, atravessou o salão e beijou com ardor o jovem marido que a olhava apaixonado.
E depois, devagarinho, com doçura, sussurou-lhe ao ouvido:
"Este Tango foi para ti..."

E acordou.